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terça-feira, agosto 01, 2006

Niccolò Machiavelli – Nicolau Maquiavel - Biografia

No ano de 1513, na cidade italiana de San Casciano, um exilado político ocupa-se todas as manhãs com a administração de pequena propriedade onde está confinado. À tarde, joga cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. À noite, veste trajes de cerimônia e passa a conviver, através da leitura, com homens ilustres do passado.

Chama-se Maquiavel, é de estatura média, magro, fronte larga, olhos penetrantes e lábios finos. Ao meditar sobre assuntos políticos, alia o fecundo diálogo com autores antigos à longa experiência do mundo moderno, adquirida numa vida inteira dedicada aos negócios públicos florentinos. Um dos resultados dessa meditação é um pequeno livro, O Príncipe, que contém ensinamentos de como conquistar Estados e conservá-los sob domínio; em síntese, um manual para governantes.

O autor dedicou-o a Lorenzo II (1492-1519), potentado da família dos Médicis e duque de Urbino, mas o soberano acolheu friamente a dádiva e não teve tempo para aprender-lhe as lições, pois faleceu logo depois, aos 27 anos de idade. Outros, no entanto, parece que souberam aproveitá-las muito bem. Foi o que demonstrou, por exemplo, o monarca inglês Henrique VIII (1491-1547), ao forjar o célebre caso da anulação do matrimônio com Catarina de Aragão (1485-1536); esse ardil foi que lhe permitiu separar a Igreja britânica da Santa Sé, espoliar sistematicamente os mosteiros e consolidar seu poder absoluto.

Diz-se que também Catarina de Médicis (1519-1589), rainha-mãe da França, teria seguido os ensinamentos de Maquiavel ao jogar católicos contra protestantes e ordenar o famoso massacre dos Huguenotes de 1572, na “Noite de São Bartolomeu”. Com isso manteve a soberania para os filhos, indolentes e incapazes de agir maquiavelicamente como a mãe. Ela era mãe do Rei Carlos IX e de Margarida de Valois, a Rainha Margot, personagem principal do romance de mesmo nome de Alexandre Dumas. Mas Catarina também era filha de Lorenzo, ao qual tinha sido dedicada a obra que, adolescente ainda, certamente leu interessada.

Essa e outras histórias de ardis, assassinatos e espoliações de governantes têm sido atribuídas à inspiração de O Príncipe, e chegam a ter algum valor para compreender-lhe o significado. Mas, freqüentemente, servem apenas para deformar-lhe o conteúdo mais profundo e a relevância dentro da história das idéias. Conteúdo e relevância que só podem ser apreendidos quando se conhecem as circunstâncias em que a obra veio à luz, dentro do quadro da vida pessoal do autor e das coordenadas econômicas, sociais e políticas da Europa dos séculos XV e XVI. A essas condições vincula-se a situação especial da Itália, pátria de Maquiavel.


Panorama Político da Renascença Italiana

Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera, em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise e instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião, nem a tradição, nem a vontade popular legitimam o soberano e ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade para ocupar.

Os condottieri são hábeis nisso. Especialistas na técnica militar, aventureiros e filhos da fortuna, vendem serviços de segurança e conquista ao príncipe que melhor pague. Os pequenos Estados não têm recursos para financiar tropas regulares e não é politicamente possível a criação de exército, o que implica a entrega de armas ao povo, fato perigoso para governantes de populações descontentes. Os condottieri adquirem importância crescente e alguns, conquistam principados para si e estabelecem alianças com reis, cardeais e papas.

Esse panorama fluido e mutável, de um país dividido em múltipos Estados, contrasta com a situação da maior parte da Europa ocidental, em que alguns governos enfeixam todo o poder, e sofre as conseqüências de um permanente intervencionismo. Os principados italianos apelam freqüentemente para as monarquias absolutas européias, a fim de solucionar as disputas internas; com isso a Itália torna-se vítima impotente. Alguns pequenos Estados sofrem a soberania do Império Germânico, e França e Espanha disputam a posse de vários de seus territórios.

É estranho que tudo isso acontecesse num país cuja economia tinha conhecido muito antes as formas responsáveis pelo poderio espanhol, francês e inglês. Na verdade, o capitalismo comercial já tinha quase dois séculos na Itália quando surgiu nos demais países e fundamentou as monarquias absolutistas. Mas seu desenvolvimento na península foi diferente e o congelamento do capitalismo italiano parece ter resultado do próprio eixo econômico, expressado sob a forma de uma expansão bem sucedida do capital mercantil e financeiro. A nascente economia comercial italiana, a partir do século XI, articulava-se com o mundo feudal circulante, estreitando vínculos de dependência recíproca. A clientela era constituída pela Igreja, Estados feudais, grandes senhores de terras, cortes aristocráticas e camadas superiores da burguesia, assim como pelas coroas representativas dos interesses dos novos Estados nacionalistas europeus. As necessidades de consumo desses setores especializaram a economia na produção de tecidos caros, no comércio de especiarias do Oriente e nos negócios bancários com os potentados dos demais países. Essa solidariedade entre a economia italiana e as condições e contradições características da Europa medieval acarretará sua ruína, quando ocorrer a decadência da ordem feudal. Por outro lado, a relativa facilidade com que os senhores feudais são afastados do poder nos núcleos burgueses mais fortes elimina a necessidade de unificação nacional como tarefa socialmente necessária. A burguesia dispensa o monarca como peça essencial para submeter os senhores feudais, como ocorreu no caso clássico da França. Ela mesma se concebe como aristocracia reinante, mas a organização estatal resultante sofre de uma debilidade insanável, mostrando-se totalmente incapaz de fazer frente aos gigantescos aparelhos de Estado, em vias de aparecimento.

A produção manufatureira, instalada nos territórios dos antigos clientes italianos, procura ampliar mercados, abaixando os preços dos produtos e estabelecendo medidas de rígida política protecionista. Apesar disso, a decadência acentua-se especialmente depois da queda de Constantinopla para os turcos, em 1453, e da descoberta do caminho marítimo para as Índias, em 1494, acontecimento que deu primazia aos portugueses e espanhóis no comércio com o Oriente.

A fraqueza militar e política da península, já no começo do século XIV, representa forte impedimento para expansão e acumulação de capital. Periodicamente, organizam-se programas antilombardos e as cidades italianas não têm como se garantir das declarações de falência dos reis europeus. A Itália é, assim, desarmada política, militar e institucionalmente pelo anacronismo da organização das cidades-Estado e pela ausência de liderança central incontrastável. A essas razões acrescenta-se a política temporal do papado que, não sendo suficientemente forte para reduzir todos os Estados ao seu domínio, não é também tão fraca a ponto de impedir a unificação, através da figura de um príncipe secular.

No século XV são evidentes os sintomas da decadência. Florença envia seu último navio para a Inglaterra em 1480. Lorenzo, o Magnífico (1449-1492), e Júlio de Médicis (1453-1478) instalam manufaturas de lanifício no arquipélago britânico e 33 barcos florentinos transferem suas sedes para Lyon, na França.


Um Jovem Entra na História

É nesse panorama de crise econômica e política que Nicolau Maquiavel vem à luz, em Florença, no dia 3 de maio de 1469, filho de Bernardo, advogado pertencente aos ramos mais pobres da nobreza toscana. Pouco se sabe dos primeiros anos de vida de Nicolau e de sua educação, não indo as informações além de que leu muito os clássicos latinos e italianos, mas não dominou o grego.

Do fim da adolescência em diante sua biografia confunde-se com a história de Florença e da Itália, da qual não pode ser desligada sob pena de não ser possível compreender-lhe o significado.

Em 1494, quando os Médicis são expulsos de Florença e instala-se o severo regime republicano de Savonarola (o monge Girolamo (Jerônimo) Savonarola - 1452-1498), Maquiavel inicia-se na vida pública, trabalhando na chancelaria em cargos de pouca importância. Quatro anos depois, a oposição interna, sustentada pelo papa Alexandre VI (1431-1503), depõe, enforca e queima Savonarola, e Maquiavel é indicado para o posto de Segundo Chanceler da República.

Como funcionário permanente, é mero executor das decisões dos ottimati, em nome dos quais administra os negócios e relações externas da república. É comissionado no Conselho dos Dez da Guerra e enfrenta os problemas decorrentes da decadência do imperialismo florentino em relação às cidades vizinhas, apoiadas por potências estrangeiras. Especialmente importante é a longa guerra contra Pisa, bastião comercial e principal escoadouro dos produtos de Florença. O episódio mais marcante do conflito é o da participação do condottiere Paolo Vitelli, comandante das tropas florentinas. Depois de algumas vitórias significativas, Vitelli detém-se às portas da cidade inimiga, não desfecha o ataque final e é acusado de fazer jogo duplo. Alega razões de conveniência militar e nega todas as acusações de ter-se vendido aos pisanos, mas, apesar dos protestos de inocência, é executado.

A “questão Vitelli” suscita pela primeira vez um dos temas permanentes da obra de Maquiavel: a necessidade de organização de uma milícia nacional, formada por soldados locais disciplinados. A soberania política – pensa ele – depende de exército próprio, constituído por soldados leais e convictos de que lutam pela causa da pátria.

Em setembro do mesmo ano do ataque frustrado a Pisa celebra-se finalmente a paz entre Florença e França, que até então apoiava Pisa, mas agora necessitava de mãos livres para dominar o reino de Nápoles. Ao mesmo tempo, a intrincada política italiana da Renascença faz com que franceses se aliem também ao papado, pondo em xeque os interesses florentinos em Rimini, Pesaro, Urbino, Faenza e Imola. Apesar disso, em 1499, as tropas franco-florentinas atacam e sitiam Pisa, mas não conseguem a vitória. O soberano francês, Luís XIII (1462-1515), atribui o fracasso à estreiteza da burguesia de Florença, incapaz de cuidar devidamente do aprovisionamento das forças, e Maquiavel é enviado à corte do monarca, como assessor de Fracesco della Casa.

Com os franceses aprende como era insignificante o peso de um pequeno Estado como Florença nas relações internacionais e, principalmente, que se deve confiar pouco em aliados demasiadamente poderosos.

Outras embaixadas seriam feitas pelo sectário florentino, junto a César Bórgia (1475-1507), e ao papa Júlio II (1445-1513), e com ambos aprenderia também lições fundamentais sobre a ciência e a técnica da política.

César Bórgia, filho do papa Alexandre VI e poderoso condottiere, invade Faenza em 1501 e avança sobre Florença, exigindo o retorno dos Médicis e em contrato como defensor da cidade. O território florentino do Val de Chiana se subleva e facilita a entrada do invasor. Enquanto isso, os aliados franceses hesitam em socorrer Florença e a república ameaçada envia Maquiavel, juntamente com Francesco Soderini, bispo de Volterra, para parlamentar e ganhar tempo do invasor. Finalmente as tropas francesas decidem intervir e as forças do condottiere abandonam os territórios ocupados.

O episódio tem grande importância para Maquiavel, porque foi o primeiro encontro com aquele que viria a ser o modelo de O Príncipe e por fazer germinar uma parte de sua produção teórica posterior. Encarregado de fazer um relatório sobre como tratar os revoltados do Val da Chiana, Maquiavel afirma ser a história a mestra dos atos humanos, especialmente dos governantes, e que o mundo sempre foi habitado por homens com as mesmas paixões, sempre existindo governantes e governados, bons e maus súditos. Aqueles que se rebelam devem, portanto, ser punidos. Aprova a tolerância para com os habitantes do Val, mas discorda do tratamento aplicado em relação a Arezzo. As tropas de César Bórgia ainda estavam por perto e era perigoso permitir um foco de rebelião nos limites da cidade. Maquiavel acha que Arezzo deveria sofrer punição exemplar, tal como fizeram os romanos com Cartago.

Nas novas condições de guerra e da política interna florentina, fortalece-se o poder executivo e Maquiavel transforma-se na eminência parda do regime, com a designação de Piero Soderini para o cargo de gonfaloneiro vitalício. Em 1503 é designado para nova missão junto a César Bórgia e com ele passa uma temporada de três meses. O filho do papa Alexandre VI representa para Maquiavel o homem providencial, capaz de unir a Itália, opondo barreiras às intervenções estrangeiras. A reflexão sobre o destino de César Bórgia estará assim sempre presente a seu espírito quando elaborar sob forma teórica a prática política vivida. O tema da distinção entre meios e fins políticos, do ponde de vista ético, a arte do governo e o projeto de unificação italiana inspirar-se-ão na vida e nos atos do condottiere.

Uma nova fase da guerra contra Pisa encontra Maquiavel transformado em propugnador das milícias locais, formadas por elementos não mercenários. Depois de vencer a resistência dos cidadãos à idéia, consegue vê-la transformada em realidade com a criação das Nove das Milícias, organismo do qual será chanceler. Em 1506 escreve um Discurso Sobre a Preparação Militar Florentina, onde afirma que os Estados e governantes dependem de dois fatores principais: justiça e armas. Por justiça entende um conjunto de boas instituições, mantenedoras da ordem e da estabilidade sociais, bases sobre as quais possam ser construídas as virtudes cívicas. Florença não tem nem armas nem justiça, mas poderia possuir ambas com a criação da Milícia Nacional, capaz de originar a transformação moral dos florentinos. Outro tema típico de Maquiavel, aflorado no Discurso, é a da religião como ideologia. O autor dá ênfase à necessidade de os soldados receberem cuidadosa preparação religiosa, a fim de ser tornarem mais obedientes.


Da Prática Política Nasce o Pensador

A despeito da criação das milícias e de todo o empenho de seu chanceler, a carreira política de Maquiavel estava para sofrer sério abalo. Enquanto Florença alia-se aos franceses, o papado inclina-se pela Espanha e a oposição de interesses tem como resultado a derrocada dos governantes da cidade. Um pequeno exército cerca Florença e, ao mesmo tempo, eclode um levante interno pelo retorno dos Médicis. O gonfaloneiro Piero Soderini é destituído do poder e Maquiavel não tem mais lugar na nova ordem de coisas. É preso, torturado, acusado de sedição e confinado em sua propriedade particular de San Casciano.

Em San Casciano, Maquiavel procura reconquistar os favores da família que reassumira o poder; escreve O Príncipe e o dedica a Lorenzo de Médicis. Não atinge o intento na extensão desejada, mas de qualquer forma consegue voltar para Florença. Desse período de exílio, e dos anos seguintes, são os Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, talvez a mais importante de suas obras, do ponto de vista estritamente científico. Escreve também um poema chamado O Asno, um agradável conto, O Demônio que se Casou, também conhecido como Belfagor, e a comédia teatral A Mandrágora, obra-prima do teatro italiano.

Em 1520 redige o diálogo A Arte da Guerra e, logo depois, a Vida de Castruccio Castracani, uma espécie de biografia romanceada do condottiere Lucano, no qual vê a figura ideal – como já tinha visto em César Bórgia – do novo príncipe, necessário para a unificação da Itália.

No mesmo ano torna-se historiador oficial da república, função para a qual é indicado pelo Studio, Universidade de Florença. Escreve um Discurso endereçado ao papa Leão X (1475-1521), da família dos Médicis, no qual aconselha o pontífice a restaurar as antigas liberdades da república florentina. No novo cargo oficial põe-se a escreve as Histórias Florentinas, obra de grande extensão, da qual oferece oito volumes, em 1525, ao novo papa, Clemente VII (1478-1534), também da família dos Médicis. Compõe uma comédia, Clizia, imitação livre da Casina de Plauto, satirizando o seu próprio caso amoroso com uma cantora chamada Bárbara. Maquiavel estava casado desde 1501 com Marietta Orsini, que lhe deu cinco filhos, mas não foi um marido inteiramente fiel.

A vida amorosa, no entanto, não era o mais importante. Ele amava sobretudo a cidade que o viu nascer e os assuntos de Estado. Por isso, continua fazendo o possível para voltar à vida pública, da qual tinha sido excluído em 1513. A oportunidade chega em 1526, quando é nomeado secretário dos Cinco Provedores das Muralhas, cargo no qual deveria cuidar das fortificações da cidade e tratar da defesa em geral.


Em 1527, o saque de Roma pelas forças do imperador Carlos V (1500-1558), do Sacro Império Romano-Germânico, liberta Florença do jugo dos Médicis. O acontecimento é saudado por Maquiavel, que via nele a possibilidade de voltar ao comando da chancelaria. Mas os novos poderosos da república esqueceram-se do amor que ele sempre teve pela cidade e por sua liberdade. Foi o último de seus desapontamentos e o mais profundo. Não resistindo, torna-se presa fácil da doença e falece no dia 21 de junho de 1527, com 58 anos de idade.


A Nova Ciência Política

Maquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais pelos quais se bateu durante toda a vida. A carreira pessoal nos negócios públicos tinha sido cortada pelo meio com o retorno dos Médicis e, quando estes foram destituídos do poder, os concidadãos esqueceram-se dele, um homem que a fortuna tinha feito capaz de discorrer apenas sobre assuntos de Estado. Também não foi concretizado, enquanto viveu, o ideal de uma Itália poderosa e unificada.

Deixou porém um valioso legado: o conjunto de idéias elaborado em cinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio. Talvez nem ele mesmo soubesse avaliar a importância desses pensamentos dentro do panorama mais amplo da história, pois especulou sempre sobre os problemas mais imediatos que se apresentavam. Apesar disso, revolucionou a história das teorias políticas, constituindo um marco que a dividiu em duas fases distintas.

Até então, a teoria do Estado e da sociedade não ultrapassava os limites da especulação filosófica. Em Platão (428-348 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), Tomás de Aquino (1225-1274) ou Dante (1265-1321), o estudo desses assuntos vinculava-se à moral e constituía-se como teoria de ideais de organização política e social. À mesma regra não fogem seus contemporâneos, como Erasmo de Rotterdam (1465-1536) no Manual do Príncipe Cristão, ou Thomas Moore (1478-1535) na Utopia, que, na base de um humanismo abstrato e descarnado de matéria concreta, constroem modelos ideais do bom governante de uma sociedade justa.

O universo mental de Maquiavel é completamente diverso. Em San Casciano, tem plena consciência de sua originalidade e trilha um novo caminho. Deliberadamente distancia-se dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e, à semelhança dos renascentistas preocupados com fundar uma nova ciência física, rompe com o pensamento anterior, através da defesa do método de investigação empírica. Assim como Leonardo da Vinci (1452-1519) observa que a experiência jamais engana e o erro é produto do pensamento especulativo, quando dele se quer tirar conseqüências físicas, assim também Maquiavel propõe estudar a sociedade pela análise da verdade efetiva dos fatos humanos, sem perder-se em vãs especulações. O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada em termos de prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado. Não se trata de estudar o tipo ideal de Estado, mas compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.

Esse exame que se pretende puramente empírico depende, contudo, de duas coordenadas teóricas básicas: uma filosofia da história e uma explicação da psicologia humana. A primeira concebe o fenômeno histórico não como a idéia cristã, segundo a qual o desenrolar dos fatos humanos no tempo cumpre desígnios divinos, dirigindo-se linearmente para o juízo final, mas como constituídos por ciclos, que se renovam em movimentos de revolução em torno de si mesmos. Os fatos históricos repetem-se nas linhas mestras; conhecê-los é apossar-se de um material de recorrência, essencial para o estudo do presente.

Tal concepção do acontecer histórico complementa-se com uma compreensão da psicologia humana. Maquiavel conclui, através do estudo dos antigos e da intimidade com os potentados da época, que os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei. Os desejos e as paixões seriam os mesmos em todas as cidades e em todos os povos.

A história e a psicologia, assim entendidas, não são apenas instrumentos teóricos mas também guias para a ação, possibilitando a elaboração de um conjunto de técnicas e procedimentos que estatuem os cânones de uma arte de governo. Segundo Maquiavel, quem observa com diligência os fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república e usar os remédios aplicados desde a Antigüidade ou, na ausência deles, imaginar novos, de acordo com a semelhança de circunstâncias entre o passado e o presente.

Para Maquiavel, a psicologia desenvolvida em torno do poder fundamenta o conhecimento secular e autônomo do político e o separa radicalmente da ética e do direito. Determinadas as causas da prosperidade e da decadência dos Estados antigos, pode-se assim compor um modelo analítico para o estudo das sociedades contemporâneas já que às mesmas causas correspondem os mesmos efeitos. Isso não significa, porém, que o método empírico-comparativo fornece uma tipologia de situações-chaves, no estilo de um manual dogmático. A teoria científica, estruturada na repetibilidade da história e na invariação do comportamento humano, deve ser completada pela investigação das peculiaridades da circunstância sobre a qual se pretende agir.


Liberdade e Determinismo

Isolada a situação particular em suas múltiplas determinações e feitas as previsões dos desdobramentos prováveis, a ciência do fenômeno político cede lugar à arte de bem governar. Assim, o saber político triunfaria sobre a teoria da história e a ação humana não estaria condenada a seguir um curso determinado pelo destino, como nas tragédias gregas. Embora a realidade determine os limites da ação, as personalidades decididas e empreendedoras interfeririam na história. A ciência política, enquanto prática, supera então a concepção de um universo fechado e a de uma história construída por periódicos e inexoráveis retornos.

O desdobramento cíclico permanece, para Maquiavel, o quadro teórico básico de interpretação da história enquanto ciência. Ao desdobramento cíclico junta-se um outro nível de determinações mais próximas e concretas, sobre as quais Maquiavel não fornece indicações rigorosas; compreende-as sob a denominação geral e clássica de fortuna.

A fortuna proporciona chaves para o êxito da ação política e constitui a metade da vida que não pode ser governada pelo indivíduo. Ela proporciona a occasione aproveitada pela virtù (virtude) do governante. Em outros termos, o homem de virtude é aquele que sabe o momento exato criado pela fortuna, no qual a ação poderá funcionar com êxito. O estadista sábio e prudente busca na história uma situação semelhante e exemplar, da qual saberia extrair o conhecimento dos meios para a ação e a previsão dos efeitos. Para ser eficaz, a iniciativa política deve ajustar-se às circunstâncias. Na contabilidade de Maquiavel, os 50% reservados ao arbítrio e à vontade humana teriam seu círculo de operações possíveis no espaço concreto de uma situação determinada. A ação destinada ao êxito seria então aquela que se exerce em compatibilidade le qualità de’tempi, e os homens seriam felizes na medida em que soubessem combinar seu modo de agir com as particularidades do momento. O necessário é manter-se à frente dos acontecimentos, procurando imprimir-lhes rumo a alternativas, dado que a fortuna é um rio impetuoso e os homens devem prevenir-se com a edificação de diques e barragens. A vontade criadora não passa, assim, de um método para a ação, pois o agir humano está condicionado pela necessidade.

O carisma da virtude é próprio daquele que se conforma à natureza de seu tempo, apreende-lhe o sentido e se capacita a realizar praticamente a necessidade latente nas circunstâncias. No uso do instrumental dos mecanismos de poder, a neutralidade moral decorreria da adequação do agir à realidade. O homem político deve estar sempre atendo aos sinais da fortuna, pois conhecerá a ruína se, mudando o tempo e as coisas, não alterar seu comportamento.

Segundo Maquiavel, a história mostra como o talento de alguns heróis foi capaz de extrair das circunstâncias, isto é, dos momentos propícios fornecidos pela fortuna, uma orientação para a iniciativa, perseguindo-a implacavelmente. Ciro, Rômulo, Teseu – personagens maquiavélicos – criaram grandes e duradouras instituições porque, acolhidos pela fortuna, tiveram tirocínio para antecipar-se ao tempo e firmeza para realizar novas obras na oportunidade exata. A César Bórgia não faltou valor para lançar-se à missão com que a fortuna lhe sorria, nem presteza de visão para reconhecer circunstâncias favoráveis. No entanto, foi abandonado pela fortuna, quando esteve próximo de lograr seus objetivos, ao adoecer gravemente após a morte do pai, protetor e inspirador de suas ações. Mas o irracional participa igualmente da história, como na doença de Bórgia, e o que é previsível nem sempre se consuma. Uma atitude que desafia a fortuna pode, portanto, freqüentemente premiar seu autor com o êxito.

O homem de virtude é, assim, o inventor do possível numa situação concreta dada, e Maquiavel, no último capítulo de O Príncipe, exorta a casa reinante dos Médicis a constituir, dentre seus membros, o príncipe virtuoso da Itália, que dela fizesse uma nação unificada.


Principados e Repúblicas

Para Maquiavel, o essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado. Em função do modo pelo qual os bens são compartilhados, as sociedades concretas assumem diferentes formas. Assim, onde persista ou possa persistir uma relativa igualdade entre os cidadãos, o fundador de Estados deve estabelecer uma república. Ocorrendo o contrário, manda a prudência que seja constituído um principado. Se não proceder assim, o governante formará um Estado desequilibrado e sem harmonia, que não poderá subsistir por muito tempo. O núcleo da organização do Estado residiria na ordem, que pode manifestar-se sob várias formas, mas que se apresentaria basicamente como principados ou como repúblicas. As repúblicas apresentariam três modalidades: a aristocrática, como Esparta, em que uma maioria de governados encontrava-se subordinada a uma minoria de governantes; a democracia restrita, na qual dá-se o contrário, como ocorreu em Atenas; e a democracia ampla, quando a coletividade se autogoverna, fenômeno encontrado em Roma após a instituição dos tribunos da plebe e a admissão do povo à magistratura.

Não existiria, contudo, uma ordem ideal, com validade absoluta, independente da organização social concreta dos povos. O povo é, para Maquiavel, uma matéria que aguarda sua forma e a engenharia da ordem parte da análise da situação social, não resultando do arbítrio do fundador de Estados, mas de sua capacidade para captar, num momento de gênio, aquela forma desejável e de sua disposição para impô-la sem qualquer vacilação.

As observações levaram Maquiavel a concluir também que os principados, quando hereditários, padecem de debilidade congênita, pois pode ocorrer neles que o poder estabelecido pelo fundador seja usado ambiciosamente pelos sucessores, sem a virtude do mesmo. Por outro lado, seria fraco o Estado que só pode ser governado pela vontade de um homem apenas; na falta deste, não há como triunfar sobre a desordem. O abuso de poder, por parte dos herdeiros do herói primordial, fomenta a discórdia e alimenta conspirações, pondo em perigo a ordem interna.

O reino da competição entre Estados não seria controlável, segundo Maquiavel, por instituições nem pela lei, e seria impossível que uma república conseguisse permanecer tranqüila a gozar de liberdade dentro de suas fronteiras. Se não molestar as demais, será molestada para elas, e disso nasceria o desejo e a necessidade de conquista.

O fundador de Estados não é, para Maquiavel, um homem qualquer, mas uma personalidade fora do comum, dotada de uma ética superior, que lhe faculta o uso de meios extraordinários para a organização de reinos ou repúblicas. Rômulo seria um bom exemplo, não obstante a imagem negativa que dele sempre se fez, por ter assassinado o irmão e consentido no assassinato de Tito Tatius, com quem dividia o trono. Esse seria um exemplo negativo, caso não se considerassem os motivos orientadores de sua ação. Segundo Maquiavel, a obra de Rômulo o exime de qualquer culpa, pois seus fins eram morais. Isso fica claro quando se sabe da pequena parcela de autoridade que reservou para si, ao dividir o governo com o senado, e ao criar leis, que ele mesmo sempre observou.


Os Fins Justificam os Meios

O político de virtude na chefia dos Estados é um momento breve e excepcional, e somente a ele os homens isentam de culpa pelo uso de meios indiscriminados, em conjunturas de grave perigo para a comunidade. Disso deriva que a estabilidade política depende de boas leis e instituições, pois o poder puramente pessoal degenera facilmente em tirania e instabilidade. O homem providencial jamais é um tirano. Sua heroicidade realiza-se no plasmar a forma conveniente para a matéria, que é o povo. Ele institucionaliza a ordem e a coesão social, que em regimes republicanos, quer em principados, dependendo das circunstâncias.

O herói fundador de Estados e o político de virtude, por si sós, não instituem o melhor regime e a melhor sociedade. O nível de solidariedade é maior quando o povo participa do governo. Homens em liberdade identificam-se com os negócios de seu Estado e o defendem como coisa sua. Nada foi mais difícil para os romanos do que a conquista de povos vizinhos, amantes da liberdade que gozavam em sues países. A grandeza romana deve ser atribuída à liberdade de seus cidadãos, e a vocação imperial não poderia ter sido realizada sem a ampla participação do povo nos negócios públicos. Um povo dócil ou aterrorizado não seria capaz de encontrar forças e motivações para conquistar o mundo. Numa nação não corrompida, onde as instituições mantenham pela educação e pelo exemplo as virtudes cívicas, os cidadãos sobrepõem os interesses gerais aos particulares. A liberdade reforça a coesão interna e desanima as pretensões de conquista dos Estados rivais.

Maquiavel ensina, ainda que a energia criadora de uma sociedade livre não é dádiva dos heróis fundadores ou dos políticos de virtude. Ela advém dos sistemas de oposição entre os grandes e o povo e, assim, os conflitos sociais são necessários porque próprios à natureza mesma da liberdade. As condições desta não são arbitrárias, mantendo relação necessária com o grau de igualdade existente no interior do Estado. A corrupção e a inaptidão para o viver livre provém da desigualdade, para cuja eliminação é preciso pedir socorro a remédios extraordinários, coisa que poucos homens sabem ou querem fazer.

O povo faz parte da galeria dos heróis de Maquiavel. Comparando as repúblicas democráticas como os principados, observa que se julgarmos um príncipe e um povo subordinado às leis, verificamos que o povo mostra qualidades superiores às do príncipe, porque é mais conforme e constante. Se, ao contrário, ambos estão libertos de qualquer coerção legal, resulta que os erros do povo são menos numerosos, menores e de mais fácil reparação do que os do príncipe.


Interpretações do Maquiavelismo

O destino do pensamento de Maquiavel, cinco séculos depois da sua morte, ainda não foi decidido. Lido por muitos e citado publicamente por pouco, a obra do diplomata florentino tem conhecido quase tantas interpretações divergentes quantos são os filósofos e ensaístas que dele se aproximam para analisá-lo.

O tempo em que viveu não poderia chocar-se com esse pensamento, pois a renovação cultural e científica atingia um momento culminante e criava um novo universo ideológico, centrado no homem e em sua secular aventura. A obra de Maquiavel era nítida expressão dessas mudanças e ele próprio foi assessor de papas e cardeais. A dessacralização do político, a independência do poder temporal frente ao Vaticano, o primado do Estado face à religião constituíam um conjunto de circunstâncias que se expressavam no desenvolvimento dos Estados nacionais, e conferiam a seu pensamento intensa contemporaneidade. Tudo isso explica por que o manuscrito de O Príncipe tenha circulado durante dezenove anos sem provar qualquer comoção, e por que a primeira edição, publicada em 1532, tenha sido autorizada pelo papa Clemente VII e patrocinada por um cardeal romano.

A má sorte iniciar-se com a Contra-Reforma, quando à Reforma Protestante opõe-se o retorno à ortodoxia e tenta-se revitalizar a influência espiritual da Igreja e defender seu poder temporal. A partir daí, a obra de Maquiavel torna-se extremamente vulnerável. Na situação especial da Itália, sede física de Igreja católica, e subordinação do religioso ao político, defendida por ele, não poderia ser tolerada. Três décadas após sua morte, a reação da Contra-Reforma manda queimar-lhe a efígie e, em 1559, o papa Paulo IV (1476-1559) o inclui no index dos livros proibidos, decisão confirmada pelo concílio de Trento em 1564.

Não obstante e interdição, os livros de Maquiavel circulam amplamente pela Europa, especialmente na Itália, França e Inglaterra. Nos séculos seguintes, quando se consolida o poder absoluto dos monarcas, à acusação de impiedade acrescenta-se a de defensor dos déspotas, e O Príncipe é identificado com um manual de técnicas instrumentais do despotismo. O autor era assim abstraído de seu contexto histórico; criava-se dele a imagem de um talentoso oportunista político e fragmentava-se sua obra: como autor de O Príncipe, seria o ensaísta cortejador do novo poder da família dos Médicis, aos quais se opusera quando no governo de Piero Soderini; rejeitado, afirmou convicções republicanas nos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio.

O século XVIII redime o autor, embora o debate tenha ficado circunscrito às dimensões éticas. Pensadores iluministas, como Rousseau (1712-1778) e Diderot (1713-1784), defendem a unidade de sua obra, com base na problemática republicana. Diderot sustenta ser O Príncipe uma sátira, entendida equivocamente com elogio. Rousseau sublinha a profundidade das convicções republicanas de Maquiavel, que teria sido obrigado pelas circunstâncias a disfarçar o amor pela liberdade, simulando dar lições aos reis, quando na verdade as dava ao povo. Estranhamente, o julgamento de Voltaire (1694-1778) será negativo, tendo inspirado a Frederico II da Prússia (1712-1786) a redação do Anti-Maquiavel, crítica que pretendia ser uma rejeição radical do amoralismo em política.

Os democrata-radicais do século XIX tomam como ponto de partida a afirmação do próprio Maquiavel de que seus ensinamentos foram extraídos do estudo atento da história. O maquiavelismo seria, assim, a prática política corrente entre os poderosos de todos os tempos. Criadores e detentores das técnicas de dominação não precisariam jamais de lições; Maquiavel teria então, como objetivo, não ensinar a eles, mas ao povo. Na impossibilidade de dirigir-se diretamente ao seu público, teria optado por desmistificar o poder, despojando-o de toda moralidade aparente através da crua revelação dos procedimentos e técnicas utilizadas em sua conservação por parte dos governantes.

Ainda no século XIX, o autor de O Príncipe será transformado em herói nacional pelo movimento de unificação da Itália, o Risorgimento. Antes, ninguém como Maquiavel tinha se batido pela transformação da península italiana numa grande nação.

No começo do século XX as discrepâncias quanto ao entendimento da obra do diplomata florentino permitirão o aparecimento de várias interpretações, sensivelmente divergentes. Mussolini (1883-1945) o transformará em precursor do fascismo e Gramsci (1891-1937), marxista, assimilará ao príncipe ideal renascentista o partido do proletariado, como instrumento contemporâneo de sua vontade e ação coletiva.


Maquiavel na Atualidade

Modernamente, os estudos têm procurado romper com a tradição de crítica do ponto de vista moral, ou com a utilização da obra de Maquiavel como instrumento ideológico. Procura-se mais amplamente determinar a contribuição específica que ele deu à história das idéias, especialmente aquilo que se refere aos domínios pertencentes à ciência política.

A tendência é não mais ver o pensamento de Maquiavel como geometria euclidiana da política eterna, mas como pensamento de seu tempo. Por outro lado, o problema da existência ou não de unidade intrínseca entre seus diversos escritos – especialmente os Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio e O Príncipe – não é avaliado segundo as disputas filosóficas que propiciou. O maquiavelismo antecede a Maquiavel como repositório de práticas que informavam a ação dos detentores do poder; ele simplesmente teria sistematizado esse conhecimento, transformando-o em engenharia operacional de governo. Nela não haveria lugar para a moral, e o amoralismo dos meios não prejudicaria os resultados se estes são bons. Voltado para a história, Maquiavel teria aprendido que as grandes obras humanas, como a criação de Estados e religiões, impuseram aos fundadores o uso de todos os recursos. E o que fez foi simplesmente aceitar essa realidade como um dado concreto e definidor da natureza humana.

É lícito discordar dessas idéias, mas é difícil demonstrar que o convívio político entre os homens tenha sido outro. Se existem boas teorias políticas, a prática é sempre diferente. Maquiavel simplesmente fez da prática uma teoria. O enunciado brutal dos princípios do maquiavelismo, com sua chocante amoralidade, explicitaria a realidade interna do poder político. E isso talvez seja uma contribuição não pequena para a superação desse amoralismo.